quarta-feira, 26 de maio de 2010

De olho na rua

Dora Brisa

Vem ver,
Moço,
Vem conhecer a minha rua.
Tá vendo aquele casarão?
Lá, mora a viúva que
Serve feijoada pra gente,
Todos os sábados, no portão.
Ninguém por aqui
Conheceu o falecido.
Nessas casas ao lado,
Moço,
Vivem famílias inteiras,
Com pais, filhos, avós,
Até gato, cachorro e papagaio.
Adiante, ficam a padaria,
A farmácia e o botequim.
No outro lado da rua,
Estão o açougue e o mercadinho,
Que são do mesmo português.
Por esses pedregulhos,
Moço,
Passa a alegria da
Criançada na rua:
Carrocinhas de sorvete,
Pipoca, até pamonha,
Algodão-doce, pé-de-moleque.
No terreno baldio, logo ali,
Circo e parque de diversões
Acampam quase o ano todo.
Na minha rua,
Moço,
Conserta-se guarda-chuvas,
Amola-se facas e tesouras,
Vende-se pães feitos em forno de barro.
A minha rua tem muito mais:
Tem feira livre.
Tem música no coreto da praça,
Com bandinha militar,
Todo domingo, depois da missa.
A igrejinha fica lá,
Atrás do chafariz,
No centro da praça de tamarindos,
Mangas, cajus e outros frutos.
Olha só,
Moço,
Como a minha rua tem cores,
Nas portas e janelas abertas,
Nas casas rodeadas de jardins
Sem grades, sem muros.
Naquela barraquinha na praça,
Fica a biblioteca improvisada.
O povo da minha rua gosta de ler.
Final de semana inteirinho,
Moço,
Todo mundo se acomoda por aqui mesmo,
Os que lêem e os que escutam.
Ainda tem gente que canta,
Toca uma viola, conta causo.
Essa é a minha rua,
Moço,
Que parece pequena, estreita,
Mas é maior que o mundo.
Aonde eu moro?
Qual dessas é a minha casa?
Não tenho casa, não,
Moço.
Com uma rua dessas,
Eu não preciso de mais nada.
Se eu tivesse uma casa,
Até o casarão da viúva
Seria menor que a minha rua.
Quem garante que a vida,
Vista lá de dentro, é tão bela
Quanto a que enxergo, aqui fora?
Já faz tempo, não esqueci,
Um poeta me disse que a solidão
Mora numa dessas casas
Que eu nunca entrei.
Quando anoitece,
Moço,
A lua, menina silenciosa,
Brinca lá no alto,
Enquanto eu estico a minha rede
Aqui na praça – e sonho,
Sonho todos os sonhos
Abandonados, esquecidos na minha rua.

3 comentários:

  1. Este quê de memória em alguns dos seus textos é, de fato, encantador. Bjos. Parabéns... Grata pela viagem. Me senti na rua!

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  2. Que lirismo e que saudosismo gostoso de ler ... adoro ler-te, poeta! beijos

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  3. Adorei o seu Blog, minha amiga Dora e é sempre bom lhe ler, só sinto falta desses belos textos em nosso site Paralerepensar, que está sempre de braços abertos para lhe receber.
    Construtor - www.paralerepensar.com.br

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