quarta-feira, 14 de julho de 2010

Um tal Zé

Dora Brisa

Nasceu lá no morro
A mãe deu-lhe o nome de José
Era o quinto filho
De um pai que foi embora
Na infância, Zé teve pneumonia
Corria descalço pelas vielas
Parecia ignorar a própria miséria
Aos cinco anos Zé recebeu
Cola de sapateiro de um amigo de rua
Vomitou o resto do dia
Depois conheceu a maconha
Os pulmões recusaram
E Zé vomitou o angu do almoço
Escola nem pensar
Foi para o sinal vender doces
Perdeu amigos drogados
Sentia saudade dos três irmãos traficantes
Que tiveram de fugir do morro
Para nunca mais voltar
Na adolescência do Zé
A mãe caiu morta
Quando subia o morro
A irmã fugiu para a Capital
E Zé ficou sozinho no barraco
Conheceu Maria mãe solteira
Enquanto namoravam Zé foi estudar
Completou a quarta série primária
Tinha vinte anos quando conseguiu
Emprego de cobrador de ônibus
Casou com Maria
Cuidou do filho dela
Depois tiveram três filhos
Zé nunca saiu do morro
Trabalhava semana toda
Estudava com os filhos quando podia
A alegria da família
Era o churrasquinho
De final de semana
Na churrasqueira de latão
Era um desses domingos
Corrida de carros na televisão
Carvão queimando lá fora
Maria na cozinha
Os filhos brincando na churrasqueira
Zé sintonizando a televisão
Os carros em disparada
E Zé sem poder assistir
Subiu no telhado
Para consertar mais uma vez a velha antena
Escorregou
Morreu
Acabou.

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