sábado, 28 de novembro de 2015

Do diálogo

Dora Brisa

Surpreenda-me. Nada me fales do que – ainda – espero ouvir de ti. Não diga nada mais ao meu pensar. Uma só palavra só. O meu pensar anda cheio das tuas frases vazias.
Se queres que eu ainda te escute, dirija tuas palavras – sentidas – ao meu sentir, onde reside toda a minha compreensão. Ao meu pensar, deixo apenas que decodifique o que persiste de racional no meu sentir. Sem abstração.
Surpreenda-me. Nada me fales do que – ainda – espero ouvir de ti. Porque minha esperança sou eu – que já me tenho por inteira. De ti, o que preciso és tu – inteiro.
Não te admires, nem te assustes, se, no instante vazio, quando me pergunta o que penso – te respondo apenas: ar. Porque, neste momento exato, meu sentir se enche de ar, e outra palavra não cabe no meu pensar. Sinta comigo o ar – e esqueça a pergunta cheia de suposições, sem respiração. Inspira. Expira. Transpira comigo este instante que inspira por si só.
Deixa também eu olhar a paisagem pela janela da tua sala. Empresta os óculos escuros, porque também a mim, muitas verdades ofuscam. Eu, como tu, preciso de tempo para habituar minhas pupilas à claridade sem sombras.
Quando eu gritar por ti, venha correndo. Neste instante – único e breve -, um pássaro indefeso se equilibra na ponta fina de um galho. Observa o mínimo gesto que faço, para equilibrar-me nesta vida. Um só descuido – e voo rasante.
Continuo à espera do teu chamado, para o meu silêncio fazer companhia ao teu silêncio, diante do crepúsculo fatal. Até nossos silêncios tornarem-se um só – e único – silêncio, enquanto todos os gestos e pensamentos fenecem com o entardecer.
Depois disso tudo, já não seremos estranhos um para o outro. E já não precisarás mais perguntar-me coisa alguma, porque eu serei – inteira – resposta. E a tua sala será a nossa sala. Precisaremos de um só par de óculos escuros às duas pupilas nossas. E já não voaremos mais sozinhos, porque o nosso silêncio nos acompanhará. E nada mais precisaremos pensar. Porque o nosso sentir será delicado, único, como até o último instante do nosso diálogo vivido.

Voz - Rosany Costa:

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Tempus Fugit

Dora Brisa

Um dia,
Eu morrerei,
Tu morrerás,
Ele morrerá,
Nós morreremos,
Vós morrereis,
Eles morrerão.
Assim mesmo:
Num dia qualquer,
Numa noite qualquer.
Não importa.
Morreremos – todos.
No primeiro dia,
Chorarão a nossa morte,
Em lágrimas de saudade
E arrependimento.
No centésimo décimo sexto dia,
Lembrarão a nossa morte,
Na justificativa de um
Fracasso qualquer.
No milésimo centésimo terceiro dia,
Saberão a nossa morte,
Com a curiosidade turística
Do olhar que visita terra estranha.
No milionésimo vigésimo oitavo dia,
Já não chorarão, nem lembrarão a nossa morte.
No meio de entulhos ignorados pelo tempo,
Alguém (sem saber) guarda a nossa existência.
Displicentemente.