Dora Brisa
Ela nem ousava
Dizer aquela palavra,
Mas a palavra,
Ignorada e viva,
Permanecia no caminho,
Conformada.
Ela temia a palavra,
Por que sabia
Que aquela única palavra,
Com parcas letras,
Tão comum e usual,
Era verbo, ação.
Ela fazia de conta
Que a palavra não existia,
Enquanto a palavra a ignorava,
Por que o que ela e a palavra
Sabiam mais natural
Era tudo o que havia.
Ela temia a palavra,
Que não temia ninguém,
E ambas cumpriam
O que a palavra
Resumia, na vida
De tantas outras palavras.
Ela queria crer
No além da palavra,
Mas a própria palavra
Impedia revelar-se,
Silenciosa, num canto qualquer,
Numa esquina perdida.
Ela chegava a esquecer
Da palavra,
Mas a palavra, mesmo esquecida,
Lembrava a escuridão
Dos olhos dela,
Cegos do que não vinha da
palavra.
Ela fugia da palavra,
Que não podia deixar de ser
A palavra que causava
Medo e fuga,
Fascínio e assombro,
Natureza mais viva.
Se a palavra a surpreendia,
Numa proximidade dolorida,
Ela se enchia de pontos
De exclamação e interrogação,
Enquanto a palavra arrastava
reticências.
Quando ela deixou de existir,
A palavra fez-se revelada,
Como jamais ela imaginaria,
Tanto, tanto,
Que outra, que não era ela,
Estremeceu, diante da palavra:
morte.