Dora Brisa
Tenha cuidado com
a toga, a farda,
a bala perdida,
a massa revoltada,
a frustração enraivecida.
Tenha cuidado com
especialista,
analfabeto político,
tendenciosa revista,
golpe onírico.
Tenha cuidado com
qualquer conclusão,
perigoso conceito,
arma na mão,
medalha no peito.
Tenha cuidado com
medíocre unanimidade,
ataque à negritude,
supremacia da vontade,
idolatrada atitude.
Tenha cuidado com
homens de colarinho,
mulheres recatadas,
sociedade em desalinho,
religiões alucinadas.
Tenha cuidado com
panelas pelos ares,
gás de pimenta,
discussões nos bares,
média violenta.
Tenha cuidado com
ideal fantasia,
notícia urgente,
arroubos de simpatia,
psicopatia inteligente.
Tenha cuidado com
qualquer vazamento,
boato de rede social,
discurso sem argumento,
mandado judicial.
Tenha cuidado até com
grampo de cabelo,
conversa pra boi dormir,
publicidade com apelo,
imagens para deprimir.
Tenha cuidado com
o que pode ser vendido,
o que é comprado,
o bem caro amigo,
o inimigo barateado.
Tenha cuidado com
o bem que faz mal,
a fé que mata,
o discurso moral,
o esmalte na pata.
Tenha cuidado com
o martelo a bater,
a torcida a aplaudir,
a realidade a entristecer,
o tempo a esvair.
Tenha cuidado com
a verdade bem-vestida,
a mentira escancarada,
a legalização do aborto banida,
a infância abandonada.
Tenha cuidado com
o desaparecido,
o encontrado,
o apontado bandido,
o que morre silenciado.
Tenha cuidado com
insanidade do excesso,
eleição no altar,
notícia do congresso,
anúncio de pesar.
Tenha cuidado com
manual de instrução,
previsão do tempo,
bandeira na mão,
vida que segue o vento.
Tenha cuidado com
palavra dita, impensada,
olhares da interpretação,
morte banalizada,
certezas sem razão.
Tenha cuidado com
qualquer ser humano,
dedo em riste,
quem ordena carregar o piano,
quem segue a boiada triste.
Tenha cuidado com
hipocondria,
armamento,
rua sem alegria,
maioria sem alento.
Tenha cuidado, mais ainda, com
o silêncio, o grito,
a ignorância excitada,
a ordem, o mito,
a salvação anunciada.
Tenha cuidado.