Dora Brisa
(À persona de Fernando Pessoa)
Imagina você,
Moço,
Que eu, analfabeta
De pai e mãe
(com muito respeito),
Já sonhei em fazer versos,
Versos bonitos,
Enfileirados,
Bem traçados
e trançados.
Já sonhei em fazer versos,
Moço,
Em rodas de ciranda,
De capoeira,
De maracatu,
De candomblé.
Já sonhei em fazer versos,
Moço,
No Cristo Redentor,
Na Praça do Ipiranga,
Na Estátua do Laçador,
Na Mangueira – minha escola de samba.
Tanto sonhei em fazer versos,
Moço,
Que um dia o poema apareceu,
Assim, por acaso,
Meio andando de lado,
Cabisbaixo,
Parecia embriagado.
Em passo trôpego,
Deixou o seu recado:
Sou o poema de pé quebrado,
Torto,
Desmesurado.
Poema abjeto,
Escrachado,
Objeto
Despudorado.
Nos meus versos,
O poeta não despeja lágrima –
Deixa sempre a última gota
De cachaça,
Ou o vômito que engasga.
Poema deixado em
Parede de banheiro.
Cheio de palavrões,
Irônico, verdadeiro.
Sou o poema que rasteja
Nas mesas de bar.
Nasce num porre de cerveja,
Morre antes do dia clarear.
Poema amassado,
Esquecido,
No lixo jogado.
Poema que não fala
Da doce amada.
Nem o mais barato perfume exala,
Enquanto rola na escada.
Poema de uma perna só,
Que se apóia pelos muros,
Maltrapilho de dar dó,
Cochilando pelos becos escuros.
Tua opinião?...
Que me importa!
Não preciso de razão,
Sou poema em linha torta.
Voz - Helena Antoun:
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
terça-feira, 25 de outubro de 2011
Sob o mesmo teto azul
Dora Brisa
Quando observo a vida alheia,
Vejo-me, num lapso, sem pensar,
Nascendo, multiplicando, morrendo.
Como invejo todos os movimentos,
Esforços sempre variados e repetidos,
Na vida sem sentido, sem questionamentos.
Quando observo a vida aleatória,
Vejo-me, num lapso, com alegria,
Ajuntando dinheiro em sacrifícios,
Arriscando até o que não tenho na sorte,
Preenchendo a pobre vida sem sentido,
Na tentativa de adiar a própria morte.
Quando observo a vida alienada,
Vejo-me, num lapso, sem nada ver.
Isso me dá tamanha tranquilidade,
Verdadeira euforia (in) consciente.
Sinto-me a própria vida sem sentido
Batendo no coração de toda gente.
Quando observo a mim,
Vejo-me, num lapso, mais um,
Dos milhões de transeuntes inseguros,
Pensando o impensável,
Sentindo o insensível,
Mísero sentido de vida
Mendigando restos do impossível.
Quando observo a vida alheia,
Vejo-me, num lapso, sem pensar,
Nascendo, multiplicando, morrendo.
Como invejo todos os movimentos,
Esforços sempre variados e repetidos,
Na vida sem sentido, sem questionamentos.
Quando observo a vida aleatória,
Vejo-me, num lapso, com alegria,
Ajuntando dinheiro em sacrifícios,
Arriscando até o que não tenho na sorte,
Preenchendo a pobre vida sem sentido,
Na tentativa de adiar a própria morte.
Quando observo a vida alienada,
Vejo-me, num lapso, sem nada ver.
Isso me dá tamanha tranquilidade,
Verdadeira euforia (in) consciente.
Sinto-me a própria vida sem sentido
Batendo no coração de toda gente.
Quando observo a mim,
Vejo-me, num lapso, mais um,
Dos milhões de transeuntes inseguros,
Pensando o impensável,
Sentindo o insensível,
Mísero sentido de vida
Mendigando restos do impossível.
sábado, 22 de outubro de 2011
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
O peso do peso
Dora Brisa
A vida me pesa como o ar me pesa nos pulmões. Ainda assim, vivo. Sei que não sobreviveria sem esse peso original. Por isso, peso tanto quanto – ou até mais – que a própria vida minha. Daí provém todo o meu cansaço de alma. O que me pesa mais é pensar sobre isso. As pálpebras me pesam. Tudo me pesa – cá fora e lá dentro. Rendo-me ao sono que me chega, como o ar da vida: pesado, sem chave de pensamento algum. Não sou mais que peso atmosférico. Rarefeito.
A vida me pesa como o ar me pesa nos pulmões. Ainda assim, vivo. Sei que não sobreviveria sem esse peso original. Por isso, peso tanto quanto – ou até mais – que a própria vida minha. Daí provém todo o meu cansaço de alma. O que me pesa mais é pensar sobre isso. As pálpebras me pesam. Tudo me pesa – cá fora e lá dentro. Rendo-me ao sono que me chega, como o ar da vida: pesado, sem chave de pensamento algum. Não sou mais que peso atmosférico. Rarefeito.
sábado, 15 de outubro de 2011
Dona Zita
Dora Brisa
No armazém da d. Zita
- legítima portuguesa –,
Vende-se e compra-se
Bacalhau e Vinho do Porto: “uma riqueza”.
D. Zita vem me atender
- expressão arredia –,
Arregala os olhos para crer:
Falo português – que alegria!
Nostálgica, penso em voz alta:
“Ao monte alto o Capitão
Deu o nome de Monte Pascoal;
E à terra, Terra de Vera Cruz (...)”
D. Zita me olha interrogativa.
- É frase de uma carta
De um tal Pero Vaz de Caminha
- respondo evasiva.
(Ela não tem obrigação
de saber. Afinal, Caminha
não endereçou a carta à d. Zita.)
A portuguesa me pede
Notícias do “nosso Brasil”,
Com o mesmo brilho no olhar
(será?)
Que um dia encantou-se um tal Cabral.
- Lembra os índios brasileiros, d. Zita?
Quase todos extintos.
Mas o Brasil tem muitos “brancos” e negros
Que perfuram as orelhas,
O umbigo, as narinas, as sobrancelhas,
Os lábios, e até a língua,
Onde penduram o que chamam “piercing”.
- Tem mais, d. Zita:
Hoje, negros e “brancos” brasileiros
Também pintam o corpo,
Como faziam os índios com urucum.
É moda.
Chamam tatuagem.
De repente, ouço um fado:
Amália Rodrigues?
Não.
É a alma de d. Zita
Que canta baixinho,
E suavemente se agita.
- Quer saber dos negros,
Bondosa portuguesa?
(negros que os seus patrícios
vilipendiaram com escravidão)
No “nosso Brasil”,
Ainda sofrem discriminação.
Como na África – resistem.
Ganha todo o povo brasileiro,
Que tem samba, capoeira,
Feijoada, vatapá,
Até Candomblé
(com a benção de
todos os Orixás).
- Futebol brasileiro, d. Zita?
Anda mal das pernas.
Não temos mais Pelé
(negro também).
Os jogadores perderam a agilidade,
Com o peso do dinheiro nos bolsos.
Nos estádios lotados,
Carregam mulheres louras
(Marias-chuteiras)
E carros importados.
- As crianças e os velhos
Do “nosso Brasil”?
Mudemos de assunto, d. Zita.
(Por favor, senhora,
não me obrigue relatar as
atrocidades cometidas
contra os filhos de ninguém.)
Apesar de e por tudo,
D. portuguesa,
Brasileiro é um povo
Bem-humorado,
Faz piada dos portugueses,
Com quem sente afinidade.
(A propósito, a senhora
conhece aquela piada da bicha
no consultório do urologista?
Melhor não contar.)
Brasileiro é trabalhador
(pode acreditar, d. Zita):
Planta, colhe,
Só não tem o que comer.
Por isso, alimenta a alma
Sempre com um sorriso
- às vezes banguela -,
Recebendo o estrangeiro
De praias e braços abertos,
Rindo da própria desgraça
(Não vou entristecê-la mais,
contando que a minha terra
está ficando sem palmeiras,
nem sabiá.
Por isso, as aves não
gorjeiam mais lá.)
Inesperadamente,
Pressinto o encontro das águas
Do Tejo com o Amazonas,
O Araguaia, o Guaíba,
O Velho Chico, o Parnaíba.
Recolho minhas lágrimas refletidas
No Velho Tejo que transborda.
Saio do armazém,
Com a sensação de ter deixado
D. Zita cantando um saudoso fado,
Às margens do Alentejo.
Volto para casa sentindo-me
(mais uma vez)
descoberta.
Ah, que vontade que dá
De voltar para o “nosso Brasil”,
E esperar por Cabral.
Ele poderia, dessa vez,
Levar d. Zita.
(Quem sabe?)
Pois, pois...
Voz - Paula Xavier:
No armazém da d. Zita
- legítima portuguesa –,
Vende-se e compra-se
Bacalhau e Vinho do Porto: “uma riqueza”.
D. Zita vem me atender
- expressão arredia –,
Arregala os olhos para crer:
Falo português – que alegria!
Nostálgica, penso em voz alta:
“Ao monte alto o Capitão
Deu o nome de Monte Pascoal;
E à terra, Terra de Vera Cruz (...)”
D. Zita me olha interrogativa.
- É frase de uma carta
De um tal Pero Vaz de Caminha
- respondo evasiva.
(Ela não tem obrigação
de saber. Afinal, Caminha
não endereçou a carta à d. Zita.)
A portuguesa me pede
Notícias do “nosso Brasil”,
Com o mesmo brilho no olhar
(será?)
Que um dia encantou-se um tal Cabral.
- Lembra os índios brasileiros, d. Zita?
Quase todos extintos.
Mas o Brasil tem muitos “brancos” e negros
Que perfuram as orelhas,
O umbigo, as narinas, as sobrancelhas,
Os lábios, e até a língua,
Onde penduram o que chamam “piercing”.
- Tem mais, d. Zita:
Hoje, negros e “brancos” brasileiros
Também pintam o corpo,
Como faziam os índios com urucum.
É moda.
Chamam tatuagem.
De repente, ouço um fado:
Amália Rodrigues?
Não.
É a alma de d. Zita
Que canta baixinho,
E suavemente se agita.
- Quer saber dos negros,
Bondosa portuguesa?
(negros que os seus patrícios
vilipendiaram com escravidão)
No “nosso Brasil”,
Ainda sofrem discriminação.
Como na África – resistem.
Ganha todo o povo brasileiro,
Que tem samba, capoeira,
Feijoada, vatapá,
Até Candomblé
(com a benção de
todos os Orixás).
- Futebol brasileiro, d. Zita?
Anda mal das pernas.
Não temos mais Pelé
(negro também).
Os jogadores perderam a agilidade,
Com o peso do dinheiro nos bolsos.
Nos estádios lotados,
Carregam mulheres louras
(Marias-chuteiras)
E carros importados.
- As crianças e os velhos
Do “nosso Brasil”?
Mudemos de assunto, d. Zita.
(Por favor, senhora,
não me obrigue relatar as
atrocidades cometidas
contra os filhos de ninguém.)
Apesar de e por tudo,
D. portuguesa,
Brasileiro é um povo
Bem-humorado,
Faz piada dos portugueses,
Com quem sente afinidade.
(A propósito, a senhora
conhece aquela piada da bicha
no consultório do urologista?
Melhor não contar.)
Brasileiro é trabalhador
(pode acreditar, d. Zita):
Planta, colhe,
Só não tem o que comer.
Por isso, alimenta a alma
Sempre com um sorriso
- às vezes banguela -,
Recebendo o estrangeiro
De praias e braços abertos,
Rindo da própria desgraça
(Não vou entristecê-la mais,
contando que a minha terra
está ficando sem palmeiras,
nem sabiá.
Por isso, as aves não
gorjeiam mais lá.)
Inesperadamente,
Pressinto o encontro das águas
Do Tejo com o Amazonas,
O Araguaia, o Guaíba,
O Velho Chico, o Parnaíba.
Recolho minhas lágrimas refletidas
No Velho Tejo que transborda.
Saio do armazém,
Com a sensação de ter deixado
D. Zita cantando um saudoso fado,
Às margens do Alentejo.
Volto para casa sentindo-me
(mais uma vez)
descoberta.
Ah, que vontade que dá
De voltar para o “nosso Brasil”,
E esperar por Cabral.
Ele poderia, dessa vez,
Levar d. Zita.
(Quem sabe?)
Pois, pois...
Voz - Paula Xavier:
sábado, 8 de outubro de 2011
Anima
Foto: Denise
Dora Brisa
Hoje, sinto estar plena,
Plena de mim,
Plena em mim,
Plena comigo.
Fiz o que pude,
E o que não pude, também.
Se não fiz o que
Os outros desejavam,
Foi por não saber fazer,
Ou por não querer fazer,
Ou não querer saber fazer,
Ou nem lembro mais por quê.
Só não fiz o que
Dependia do outro, dos outros.
Se não foi feito,
Faltou o outro
(E eu a esperar).
Muitos não me compreenderam
(Nem eu me compreendo).
Alguns compreenderam-me pouco,
E assustaram-se
(Também, eu me assusto comigo).
Sonharam muitos sonhos,
Para mim
(Esqueceram de acordar-me).
Traçaram destinos,
À revelia da minha vida predestinada
(E eu em desatino).
Quiseram-me obediente,
Até previsível
(E eu fascinada pelo impossível).
Podaram minhas asas,
De onde nasceram
Sonhos que não voam.
Tentei falar-lhes,
Pelo idioma humano,
Mas sou indomável às palavras.
Das vidas que não vivi,
Restou-me dor dilacerante,
Ancestral!...
E o que sei é que guardo
Lembranças do que viverei,
E isso dilacera de dor,
As minhas memorias mais antigas.
Por isso, também,
Sinto-me plena,
Tão plena,
Que poderia morrer,
Nesta madrugada
Mais plena que eu,
E menos fria.
E não haverá vida
Que saiba da vida minha...
sexta-feira, 7 de outubro de 2011
Eu e minha alma
Dora Brisa
Minha alma encara
A arma na cara,
O nó desata:
Mata, mata...
Mas morre de medo
De um sapo
Sem arma, sem alma,
Guardado em segredo...
Minha alma se cala
Diante de elogio,
Só fica à vontade,
Quando tudo está frio...
Minha alma é desfeita
Por pedaços, cacos,
Por contradições refeita...
Minha alma é facetada,
Mosaico de uma história
Mal escrita, mal contada...
Minha alma morre de fome,
Diante da mesa farta,
Enquanto todo mundo come...
Minha alma vive sem memória,
Observando outras almas,
Tantas vidas - uma só história...
Minha alma enxerga lá adiante,
Mas não é capaz de ver
O próprio reflexo no semelhante...
Minha alma carrega uma ternura
Tão seca, tão inútil,
Que não faz sossego na brandura...
Minha alma já não ouve
O próprio silêncio que
Em nenhum momento coube...
Minha alma não sabe, nem entende,
Não é sabida, nem entendida,
Porque não se solta, nem se prende...
Minha alma é tudo do nada
Que aprendi a não ser,
Por que, nesta estrada,
O que minha alma sabe é morrer...
Minha alma encara
A arma na cara,
O nó desata:
Mata, mata...
Mas morre de medo
De um sapo
Sem arma, sem alma,
Guardado em segredo...
Minha alma se cala
Diante de elogio,
Só fica à vontade,
Quando tudo está frio...
Minha alma é desfeita
Por pedaços, cacos,
Por contradições refeita...
Minha alma é facetada,
Mosaico de uma história
Mal escrita, mal contada...
Minha alma morre de fome,
Diante da mesa farta,
Enquanto todo mundo come...
Minha alma vive sem memória,
Observando outras almas,
Tantas vidas - uma só história...
Minha alma enxerga lá adiante,
Mas não é capaz de ver
O próprio reflexo no semelhante...
Minha alma carrega uma ternura
Tão seca, tão inútil,
Que não faz sossego na brandura...
Minha alma já não ouve
O próprio silêncio que
Em nenhum momento coube...
Minha alma não sabe, nem entende,
Não é sabida, nem entendida,
Porque não se solta, nem se prende...
Minha alma é tudo do nada
Que aprendi a não ser,
Por que, nesta estrada,
O que minha alma sabe é morrer...
Voz - Eduardo Cunha:
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