segunda-feira, 9 de abril de 2012

Impossivelmente real

Foto: Burt
Dora Brisa

A realidade não me compreende,
E o que existe de real em mim
É essa incompreensão pura.
Nada me falta, nada me sobra,
Por que a realidade não me suporta,
Nem me sustenta, ou me acredita.
Fui feita e nascida
À revelia da realidade,
Que me desconhece, ou me ignora.
Assim vivo - à margem da realidade
Que não me enxerga, não me sabe.
O mais real que há em mim
É essa realidade torturante,
Que não chega se fazer presente,
Por que, antes e acima de tudo,
Prevalece o meu existir ignóbil,
Breve, ainda que pesado,
Forjado a ferro e fogo pelas
Chamuscadas farpas de uma
Realidade tão sem sentido
Quão a própria existência humana.

domingo, 8 de abril de 2012

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Poema em linha torta

Dora Brisa

(À persona de Fernando Pessoa)

Imagina você,
Moço,
Que eu, analfabeta
De pai e mãe
(com muito respeito),
Já sonhei em fazer versos,
Versos bonitos,
Enfileirados,
Bem traçados
e trançados.
Já sonhei em fazer versos,
Moço,
Em rodas de ciranda,
De capoeira,
De maracatu,
De candomblé.
Já sonhei em fazer versos,
Moço,
No Cristo Redentor,
Na Praça do Ipiranga,
Na Estátua do Laçador,
Na Mangueira – minha escola de samba.

Tanto sonhei em fazer versos,
Moço,
Que um dia o poema apareceu,
Assim, por acaso,
Meio andando de lado,
Cabisbaixo,
Parecia embriagado.
Em passo trôpego,
Deixou o seu recado:
Sou o poema de pé quebrado,
Torto,
Desmesurado.

Poema abjeto,
Escrachado,
Objeto
Despudorado.

Nos meus versos,
O poeta não despeja lágrima –
Deixa sempre a última gota
De cachaça,
Ou o vômito que engasga.

Poema deixado em
Parede de banheiro.
Cheio de palavrões,
Irônico, verdadeiro.

Sou o poema que rasteja
Nas mesas de bar.
Nasce num porre de cerveja,
Morre antes do dia clarear.

Poema amassado,
Esquecido,
No lixo jogado.

Poema que não fala
Da doce amada.
Nem o mais barato perfume exala,
Enquanto rola na escada.

Poema de uma perna só,
Que se apoia pelos muros,
Maltrapilho de dar dó,
Cochilando pelos becos escuros.

Tua opinião?...
Que me importa!
Não preciso de razão,
Sou poema em linha torta.

Voz - Helena Antoun:

terça-feira, 3 de abril de 2012

Entrega

Foto: Denise

Dora Brisa

Me rendo
Me entrego

Sinto
Penso

Penso
Sinto

Sinto
Sinto

Penso
Penso

Me acabo.