(à
flor seca esquecida entre as folhas de um livro qualquer)
Quando criança, ficou
maravilhada com o jardim de casa - até chegou a pensar que todas as
casas tivessem jardins que floresciam o ano todo. Foi crescendo, e
encontrando outras pessoas, feito ela, também maravilhadas com
jardins. Em pouco tempo, especializou-se em conhecer cada espécie de
flor, e todas as variações produzidas pelos enxertos.
Não demorou tanto, conheceu a
perda de entes queridos, que morriam, sem qualquer aviso prévio. Ela
não podia fazer qualquer coisa, a não ser resignar-se, escondida no
jardim de casa. As flores a protegiam, e logo percebeu que o jardim
seria sempre o melhor esconderijo, diante da dor. Quando não havia
possibilidade de fuga, ia sempre aos velórios e enterros, com os
braços cheios de flores - do mesmo jardim onde se refugiava.
Feito qualquer ser humano,
também conheceu momentos alegres, quando saía, festiva, pelo
jardim, colhendo as flores mais lindas, para presenteá-las às
pessoas em festa. Não havia batizado, casamento, aniversário,
formatura, ou qualquer outro evento familiar, que ela não aparecesse
com os braços carregados de flores - do mesmo jardim para onde
voltava com os olhos brilhando.
Descansando, em outros jardins,
que já não eram os que conheceu quando menina, a moça sabia que as
flores e os perfumes seriam sempre a companhia mais doce. Volta e
meia, lá estava, no meio do jardim que ela mesma cultivava, colhendo
braçadas de flores - as mais miúdas, ou gigantes em botão. Sempre
alguém chorava, ou sorria, no caminho dela, que não abandonava a
generosidade de distribuir flores.
Em alguns momentos da vida, ela
e as flores foram motivo de piadas - em outras ocasiões, alento,
aconchego, única companhia. Mas ela não quis pensar sobre isso,
enquanto multiplicava as mudas das flores, cada vez mais coloridas e
vivas - harmonia entre madressilvas, gerânios, acácias, cravinas,
amor perfeito, e tantas outras que só ela conhecia a origem.
Numa tarde comum, feito tantas
outras que teve a vida inteira, a moça sentiu uma pedra de gelo
sufocar-lhe o coração. O que conseguiu, ainda, pensar foi que, se
não estivesse no jardim, estaria em lugar nenhum. Dois dias depois,
sentiram a ausência dela, durante o cortejo fúnebre da avó dela.
Alguém lembrou de correr ao jardim, e encontrou-a abraçada com uma
rosa branca, viva - o mesmo botão que a fizera maravilhada, uma vez
mais.
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