quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Vertigem

Dora Brisa

Minha concepção escorreu
Numa batalha sanguinolenta.
Meu corpo frágil surgiu
Imerso em sangue morno,
O mesmo vermelho que me
Desenhou a primeira máscara.
Depois, um pedaço de carne,
Num só charco de sangue,
Aos prantos, aos gritos.
Parto jorrado pelo mesmo sangue.
Será por isso que ainda
Carrego a marca sanguinolenta?
É esse líquido vermelho
Que chamam 'vida' – hoje sei.
Dentro de mim, tudo sangra.
Aqui fora também.
Meu corpo denuncia marcas
Dilaceradas pela 'vida'.
Os pulsos afrouxam intactos.
Ainda falam de lágrimas de sangue,
Quando a alma (também) sangra.
Fujo dos que falam,
Eu que me afogo no escarlate.
Também dentro de mim,
A 'vida' concebe:
Líquida, vermelha, borbulhante.
E o sangue (mais uma vez)
Marca o tempo, que chega
Trazendo a repetida 'vida' que se esvai.
Segue o existir avermelhado,
Assinalado para morrer,
Com sangue (ou não) a jorrar.
Não há compaixão, nem dor.
Tudo o que existe é nada.
Mas (ainda) restam as manchas,
Nódoas de um sangue que já não
Brilha, nem se multiplica mais.
Sangue coagulado, morto,
Seco de tudo o que um dia pareceu ser.
Talvez, num breve e impetuoso gesto,
Se algum vermelho persistir,
Alguém ainda toque a nódoa,
Com asco ou piedade.
Que importa?
O sangue já não é mais sangue.
O existir deixa de existir simplesmente.
Mas, se nem sequer uma mancha ficar,
Não há mais sangue para coagular.

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