quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Quem não sou

Dora Brisa

Não sou o tempo
Do meu tempo,
Nem ocupo o espaço
Do meu espaço.
Sou o impossível
De mim mesmo,
Vivendo o possível
De alguém que não sou eu,
Nem sabe quem é também.
Um dia, minha história
Será contada em roda
De loucos, que também
Não saberão se foram,
Ou o que não serão.
Mas tudo isso não fará
A menor diferença,
Pois tudo o que fui
Será nada do que não fui,
E o que não fui
Será tudo que era para eu ter sido.
Desacreditei de tudo
Do que acreditei ser nada,
E hoje não há nada em mim
Que me faça acreditar ser.
Tudo e nada já não me fazem
Sentido, há tanto tempo,
Que já não sei se vivo
O meu tempo real,
Ou transito por um tempo,
Passado ou futuro,
Que não me pertence,
Nem me pertenceria,
Se eu fosse eu.
Mas nem sei quem sou,
Para exigir de mim
Algum tempo que seja meu.
A verdade maior é que
Não existe verdade,
Nem mesmo a ínfima verdade
Sinalizando uma verdade maior.
Não sou, mas nem sei quem eu seria,
Porque quem quer eu fosse
Não pensaria em ser,
Por que já era,
Não seria mais eu, nem menos.
Sei que ocupo um espaço
Que não é meu,
Porque sempre estou
Onde não estou,
E tudo me leva ao nada.
Ainda que houvesse no mundo,
Um só espaço meu,
Não seria meu espaço,
Porque eu estaria ocupando
Um outro espaço, que,
Por não ser meu,
Não seria eu a ocupá-lo.
Por isso, tudo na vida me pesa,
Pesa tanto quanto uma pena,
A pena que não sinto de mim.
Porque não sou eu nas coisas todas,
E por isso a vida não me pesa,
Por que também a vida não me pertence,
Por que nem eu sei pertencer a mim mesmo.
Por que haveria a vida de pertencer-me?
Já não sei de mim,
Nunca soube do meu tempo,
Se é que tive algum tempo meu,
Ou espaço que me pertencesse.
Esse não saber, não ser, me torna
Tão vasto, que passo existir
Em tudo, em todos, em nada.
Não havendo verdade, tempo, espaço,
Eu mesmo também não existo
No tempo que não é meu,
Nem no espaço que ocupo,
Sem verdade alguma para
Proteger-me de mim mesmo,
Eu - que nem sei quem sou,
Porque não sou quem sei ser.
Eu – perdido do meu tempo,
Do espaço que nunca foi meu.
Eu – perdido de mim mesmo,
Sem saber se sou eu,
Ou um outro eu, achado por acaso,
Numa sarjeta qualquer,
Enquanto lavavam a calçada
Do prédio destruído pelo fogo
Ateado por um louco que se dizia deus,
Criador de seres perdidos.
Eu – há tanto tempo perdido,
Num tempo que não é meu,
Ocupando um espaço de outro ser,
Que nem sabe que é,
Por nunca ter sido.
Eu – que só sei cambalear
Perdido de mim mesmo,
Sem saber quem sou eu,
Nem quem eu poderia ter sido,
Se eu soubesse de mim,
E não fosse quem sou,
Porque quem sou não sou eu,
Nem quem eu imaginaria ter sido,
Se um dia quisesse ser eu...

Um comentário:

  1. Nem sei o que dizer diante de tudo que o disseste neste poema...

    É um ser tudo e um não ser nada... raso profundo...

    Maravilha!
    Te abraço minha amiga.
    Flor.

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