Dora Brisa
É noite escura...
É madrugada fria...
Busco o mar,
Tão novo,
Tão antigo...
Quero afogar-me
Com tanta vida à beira.
Sorvo, lentamente,
Na concha das minhas mãos,
Toda vida que
O mar regurgita,
Entre fúria e desespero.
O mar, sedutor como a vida,
Leva-me com ele,
Num balanço encantado
De ondas invisíveis.
Doloridamente, o mar
Abre-me, num soluço,
Todas as feridas d'alma,
Esculpindo-me estátua de sal.
Os meus pés presos à areia,
A minha alma solta no mar...
Ainda assim, quero a vida,
A vida que escapou-me
Nas águas de um mar
Talvez mais profundo,
Talvez mais escuro,
Talvez mais amedrontador...
O mar parece compreender-me
Os pensamentos d'alma,
E liberta meus passos,
Que nunca tiveram chão...
Na superfície, adormece o mar...
Do fundo das águas,
Desperta a vida sufocada...
O mar arremessa-me o corpo,
Arranca-me o medo...
Também ele sabe que
Vivo só em desequilíbrio...
Eis que ressuscito das águas,
Estátua de sal que sou,
Fruto agora do mar,
Concha vazia, oca,
Sem pérola, sem voz...
O mar penteia-me os cabelos
De estátua, como escultor
A cuidar da obra inacabada...
Águas salgadas escorrem
Pelo meu corpo que se liquefaz,
A cada onda latejante do mar...
O sal encharca e cobre
As feridas da estátua,
Onde, no fundo escuro, a alma
Se contorce em dor...
No horizonte, o dia
Faz o mar despertar,
E já não há mais sonho,
Nem vontade de dormir...
A janela entreaberta
Traz o mar para dentro
Do quarto da estátua de sal,
Que ainda se contorce, se desfaz
Em lágrimas e sangue salgados,
Encharcados pelo mar,
Que tudo leva, pouco refaz...
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