sexta-feira, 16 de julho de 2010

Zé – o tal

Dora Brisa

José Velasquez Neto
Herdou o nome do avô
Filho único naquela cobertura de zona sul
Garoto cuidado antes mesmo de nascer
Era a realização de um sonho de família
Toda infância Zezinho teve gravada
Em fotos e vídeos que circulavam pelo mundo
Gostava dos mimos que recebia
E logo aprendeu a fazer o que lhe pediam
Quando recebia dinheiro em troca
Estudava
Treinava nin-jitsu
Desde pequeno
Tinha babá e professores particulares
Zezinho cresceu
Com dez anos exigia roupas de marca
Não demorou muito para experimentar as drogas
Fazia parte de um grupo de crack e maconha
A mesada garantia o consumo
E Zé já era conhecido nos morros
Pagava bem
Nunca ficava devendo
Já nem ia mais à escola
Nem completou a quarta série do ensino fundamental
Fugiu das provas finais
Quando os pais souberam
Zé prometeu que retomaria os estudos
Os anos passaram
A família confiante no tratamento psicológico
Do filho único
E Zé cada vez mais ausente
Tinha quinze anos
Pedia aumento de mesada todo mês
Prometeu que faria supletivo
Se recebesse um carro
O pai aceitou
E deu-lhe o carro aos dezessete anos
Ninguém mais segurava o Zé
Bebedeiras
Rachas
Mulheres
Cocaína
Heroína
A vida do Zé
Tinha fornecedor exclusivo
Não ia mais para os morros
Com dezoito anos
Pediu um apartamento de presente aos pais
Precisava de privacidade
Para pensar numa profissão
Os pais fantasiaram esperanças
Agora Zé nem voltava mais para casa
Aparecia duas vezes por semana
Pedindo mais dinheiro
Agradecendo os depósitos bancários
O apartamento do Zé
Era só festa
Dia e noite
Noite e dia
Drogas servidas em bandejas
Muitas mulheres na cama
Numa noite dessas
Apartamento lotado
Zé urina no vaso presenteado pela mãe
Enxerto de orquídeas
Perdido no canto da sala
Cocaína no nariz
Zé busca bebida forte
Boca seca
Enquanto baba no copo
Os olhos esbugalhados
Já não enxergam mais
Tomba o corpo
Overdose
Morreu
Acabou.

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