sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Reze por mim

Dora Brisa

A estação é pequenina, como também Solidão, cidade escondida no mapa de Pernambuco. É de lá que parto para o desconhecido - imprevisível. A cada nuvem de poeira que o ônibus levanta, viajo cada vez mais longe. Em Solidão, nada, nem ninguém deixei a chorar. Para onde vou (?), nada, ninguém à minha espera.
No banco a meu lado, uma senhora adormece em seus cabelos brancos de prata. Nas mãos, um rosário singelo entrelaçado, comprovando décadas de fé. Por um instante, fico a admirar aquele semblante desconhecido, e, ao mesmo tempo, tão familiar. Enquanto isso, ela parece acalentar o sono - sonho! - mais profundo. O ônibus dá adeus a Solidão.
Aos poucos, quanto mais o ônibus me leva às entranhas do Brasil, mais perto chego do meu interior. O que sinto agora é o cheiro da terra nordestina, mais uma vez, molhada de esperança. Me vejo a plantar sementes miúdas, há tempo guardadas para o momento tão esperado. São poucas, é verdade, mas germinam, e o verde toma conta do meu olhar.
Depois, a terra vai secando de novo. Nem as lágrimas do sertanejo sofrido servem para germinar uma só semente. O solo rachado vai, lentamente, secando até as minhas últimas esperanças. Justo eu, que sempre disse que a esperança é a última que morre.
Com a esperança, morrem mulheres batalhadoras, homens de bem, crianças que ainda sonhavam. Diante da realidade que machuca o (meu) chão, meus olhos não molham mais a recôndita esperança que ainda persiste.
Um por um, todos partem - com o corpo, com a alma. Perplexo, assisto a tudo, sem me mover, como uma pedra a render-se à força da seca.
Novamente, o ônibus pára. Minha companheira de banco continua a dormir (sonhar?), ignorando o sobe-e-desce dos passageiros. Acotovelando-se, aos poucos, todos encontram lugar. As fisionomias cansadas são todas tão iguais...
Num segundo, estou de novo em Solidão. As despedidas não cessam. Vai embora o mais próximo, e o mais distante também. Fico eu, que, numa de minhas viagens, encontrei Solidão. Quando cheguei, ninguém me esperava. Agora, o último a sair não tem um só alguém para despedir-se. Sei que não deixo saudade. Comigo, levo a vida de Solidão...
Num gesto involuntário, aquelas lágrimas contidas na aridez nordestina jorram. Quanto mais tento contê-las, deságuam, como eu queria ver o sertão. Volto a olhar a velhinha, mas ela continua adormecida, não testemunha minha dor. Aquela fisionomia tranquila me acalma... Já não choro mais, e meu pensamento é só para ela: Reze por mim!
Por um momento, espero um só gesto. Nem as mãos se movem em torno do rosário. De repente, adormeço ao lado dela, que parece me levar à esperança. Um pouco de paz...
Nova parada do ônibus, que estaciona aos solavancos. Inesperadamente, a velhinha, em gestos lentos e delicados, prenuncia desembarcar. A bagagem é pequena, mas parece suficiente. Pede-me licença, e apresenta o cartão ao motorista.
Num único (primeiro e último) olhar, ela se aproxima de mim, e diz pausadamente: “Vou rezar por você! Quando chegar em Amparo, não deixe de rezar por mim. Estarei esperando”.
Em meio ao meu silêncio atônito, a Sabedoria desce lentamente do ônibus, que segue a viagem...

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