Dora Brisa
Ele não chegava ser o melhor, mas era bom, em tudo o que fazia – e o que fazia era tão pouco. Realmente, se esforçava para ser bom – sabia que não era. Mas sabia também que era o melhor que podia ser.
Na vida, teve um só caminho – que já não enxergava mais. Entre tantos descaminhos, embriagava-se do não existir, e sonhava com o existir que não existia. Não sabia ele que o caminho (do sonho) é que mantinha o rumo sem rumo em que ele sempre se via.
Poucos o enxergavam, por que o que era visível, nele, transitava rarefeito, na multidão. Nada o identificava como ser humano unico, no meio de tantos seres humanos unicos. Jamais pensara sobre isso. Obedecia a servidão, que seguia à frente dele – em tudo, por todos os lugares.
Nem podia sequer pensar que perdera o rumo – não era predestinado. Sabia disso, sem pensar. Qualquer descaminho poderia representar um caminho. E, entre um gole e outro de aguardente viva, sabia ele, sem pensar, que a vida o consumia, o afastava do que ele nem sabia, e, por isso, não pensava.
Fizera escolhas, a vida inteira – também, sabia disso. Por vezes, fora escolhido por outras pessoas, e escolheu caminhar com elas, por algum tempo, até a beira dos abismos humanos – que eram tantos, ele pensara, uma vez. Mas todo caminho tinha fim – de linha. E não havia mais para onde caminhar. Ele sabia, sem pensar. Com alguns seres tão humanos quanto ele, chegou percorrer caminhos abismais – dores e tonturas sem fim. Mas ele – sabia – não poderia teimar tanto. Não existiria o fim do fim. E fim.
Ele percorrera descaminhos que a inveja chamava sucesso, fama, lucros inimagináveis na Bolsa. Não queria pensar sobre isso. Todos, descaminhos afastando-o – mais e mais – do caminho que ele nem sabia mais qual era, e, por isso, não podia retornar. Já não sabia mais se o caminho verdadeiramente existiu, ou foi um caminho sonhado, entre uma embriaguez e outra de uma vida que nunca sentiu pertencer-lhe. Ainda assim, ele caminhava – cambaleava entre os descaminhos, os caminhantes e desencaminhados. Sem pensar, sentia que tinha um caminho – dele proprio, unico. Não sabia que caminho mais poderia ser.
Sabia que, um dia, morreria. Nem sobre isso queria pensar – não tinha o que pensar a respeito. Retirou a gravata e o casaco de griffe italiana, os sapatos que trouxera de Londres, enrolando-os em forma de travesseiro. Depois, acomodou-se nas pedras disformes da calçada. Deitou, finalmente, o corpo cansado. Adormeceu. Dos transeuntes que por ali passaram, nas horas que seguiram, poucos o enxergaram. Um deles roubou-lhe o casaco, levando a gravata, desajeitada em um dos bolsos. Uma senhora deixou-lhe uma moeda, junto à mão dele, inerte na calçada. O sonho dele tinha valor - finalmente. Dez centavos.