segunda-feira, 5 de abril de 2010

Eu e as palavras

Dora Brisa

Exercito as palavras, como quem faz ginástica. Disciplinadamente.
Disseco cada palavra que escrevo, obedecendo uma dieta rigorosa, retirando todos os excessos. Religiosamente.
Busco armadilhas para capturar cada palavra solta, como em final de jogo de xadrez. Xeque-mate.
Outras vezes, de olhos vendados, treino tiro ao alvo, caçando algumas palavras que voam em bando. Displicentemente.
Há palavras que me chegam em forma de oração, depois que perdôo a mim mesma. Amém.
Mantenho sempre dentro de mim, um caldeirão fervente, no aguardo daquelas palavras duras, congeladas. Encantamento.
Antes do amanhecer, jogo minha rede ao mar, para pescar as palavras que pululam junto com as primeiras ondas do dia. Simplesmente.
Guardo em mim, uma caixa de primeiros socorros, para tratar as palavras usadas para ferirem, como flechas gotejando veneno. Cicatriz.
Ainda há aquelas palavras que me vêm pueris, pedindo colo, enquanto me faço rede. Sonho.
Com a brisa da manhã clara, me chegam as palavras mais simples, feito passarinhos a cantarem na minha janela aberta para o azul do céu. Beatitude.
Também abrigo em mim – que sou terra úmida -, as palavras em forma de sementes. Germinação.
Às palavras apressadas, me faço relógio, retendo cada segundo eternizado. Atemporalidade.
Têm palavras que me chegam cansadas, despedaçadas, às quais dôo resina de seringueira antiga que sou. Refazimento.
Com meu próprio sangue – vermelho vivo -, pinto as palavras que por mim passam envelhecidas, descoloridas, quase desapercebidas. Magia.
Difíceis de decifrar são as palavras vestidas de enigmas, que se me revelam sempre no último instante. Intuição.
Palavras de despedidas – busco sempre em estação de trem, abandonadas nos bancos de (longa) espera. Passagem.
Nas vielas escuras, quero as palavras embriagadas de boemia. Solidão.
Busco desesperadamente as palavras de vida vadia, marginais. Aprendizagem.
Nos arredores, cato palavras mudas, para não mais precisar usar a tão desgastada palavra: silêncio. Segredo.
Das palavras suicidas – flores, efêmeras flores -, guardo em frascos, todo perfume. Alquimia.
Enlouquecida, saio a buscar pela rua a palavra insana, que pula e dança, nua, entre as máquinas, desrespeitando o sinal. Choque.
Num ímpeto, recolho o vômito da palavra enojada, que padece sem vida. Alimento.
No lixão, esfomeada, disputo com os urubus, cada palavra que exala podridão fétida de vida. Metamorfose.
Na gruta escura, procuro a palavra que sangra solitária, lambendo as próprias feridas. Espanto.
Passo longas madrugadas a buscar, pelo telescópio, palavras vivas em outros planetas, estrelas, galáxias. Infinitude.
Volto para minha alma cansada, e tenho a surpresa visita de palavras enviadas por outras almas. Sintonia.
De toda palavra que por mim cruza, guardo o instante mágico, dando-lhe o sopro de vida para que continue sua peregrinação. Mistério.

Um comentário:

  1. Querida amiga Dora! Depois de ler tanta beleza, não tenho palavras pra exprimir meus sentimentos em relação aos seus poemas.
    São lindos!!!
    São profundos!
    Minha alma se encanta com seus "rabiscos".
    Que Deus continue a iluminá-la sempre!
    Amo vc!!!

    Bjos
    Sally

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