Dora Brisa
No armazém da dona Zita
- legítima portuguesa –,
Vende-se e compra-se
Bacalhau e Vinho do Porto: “uma riqueza”.
Dona Zita vem me atender
- expressão arredia –,
Arregala os olhos para crer:
Falo português – que alegria!
Nostálgica, penso em voz alta:
“Ao monte alto o Capitão
Deu o nome de Monte Pascoal;
E à terra, Terra de Vera Cruz (...)”
Dona Zita me olha interrogativa.
- É frase de uma carta
De um tal Pero Vaz de Caminha
- respondo evasiva.
(Ela não tem obrigação
de saber. Afinal, Caminha
não endereçou a carta à dona Zita.)
A portuguesa me pede
Notícias do “nosso Brasil”,
Com o mesmo brilho no olhar
(será?)
Que um dia encantou-se um tal Cabral.
- Lembra os índios brasileiros, dona Zita?
Quase todos extintos.
Mas o Brasil tem muitos “brancos” e negros
Que perfuram as orelhas,
O umbigo, as narinas, as sobrancelhas,
Os lábios, e até a língua,
Onde penduram o que chamam “piercing”.
- Tem mais, dona Zita:
Hoje, negros e “brancos” brasileiros
Também pintam o corpo,
Como faziam os índios com urucum.
É moda.
Chamam tatuagem.
De repente, ouço um fado:
Amália Rodrigues?
Não.
É a alma de dona Zita
Que canta baixinho,
E suavemente se agita.
- Quer saber dos negros,
Bondosa portuguesa?
(negros que os seus patrícios
vilipendiaram com escravidão)
No “nosso Brasil”,
Ainda sofrem discriminação.
Como na África – resistem.
Ganha todo o povo brasileiro,
Que tem samba, capoeira,
Feijoada, vatapá,
Até Candomblé
(com a benção de
todos os Orixás).
- Futebol brasileiro, dona Zita?
Anda mal das pernas.
Não temos mais Pelé
(negro também).
Os jogadores perderam a agilidade,
Com o peso do dinheiro nos bolsos.
Nos estádios lotados,
Carregam mulheres louras
(Marias-chuteiras)
E carros importados.
- As crianças e os velhos
Do “nosso Brasil”?
Mudemos de assunto, dona Zita.
(Por favor, senhora,
não me obrigue relatar as
atrocidades cometidas
contra os filhos de ninguém.)
Apesar de e por tudo,
Dona portuguesa,
Brasileiro é um povo
Bem-humorado,
Faz piada dos portugueses,
Com quem sente afinidade.
(A propósito, a senhora
conhece aquela piada da bicha
no consultório do urologista?
Melhor não contar.)
Brasileiro é trabalhador
(pode acreditar, dona Zita):
Planta, colhe,
Só não tem o que comer.
Por isso, alimenta a alma
Sempre com um sorriso
- às vezes banguela -,
Recebendo o estrangeiro
De praias e braços abertos,
Rindo da própria desgraça;
(Não vou entristecê-la mais,
contando que a minha terra
está ficando sem palmeiras,
nem sabiá.
Por isso, as aves não
gorjeiam mais lá.)
Inesperadamente,
Pressinto o encontro das águas
Do Tejo com o Amazonas,
O Araguaia, o Guaíba,
O Velho Chico, o Parnaíba.
Recolho minhas lágrimas refletidas
No Velho Tejo que transborda.
Saio do armazém
Com a sensação de ter deixado
Dona Zita cantando um saudoso fado,
Às margens do Alentejo.
Volto para casa sentindo-me
(mais uma vez)
descoberta.
Ah, que vontade que dá
De voltar para o “nosso Brasil”,
E esperar por Cabral.
Ele poderia, dessa vez,
Levar dona Zita.
(Quem sabe?)
Pois, pois...
(Há pouco, recebi esse presente de minha mãe africana - Paula -, de Angola. Por isso, a exceção de postar a gravação de um rabisco meu, neste mês especial.)
Voz - Paula Xavier:
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
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Dora, fi amada, agora abri link, será que vai dar certo?
ResponderExcluirEu escutar minha voz no "rabisco" mais lindo que fizeste e tu saberes, chegar a ti que li e amei "o rabisco" d. Zita, nao minha voz, af!
Beijosssssssssssssssss
Paula, vai como anónimo, de outro jeito não sqi ou sou loira fiiiiiiiiiiiiiiii!
socorrooooooooooo
Oi fiiiiiiiiiiii, parece que consegui, vamos ver.
ResponderExcluirEscutei de novo com as nuvenzinhas passando, começo a achar-me melhor, há palavras que quase engulo, mas i ó Dora, foi com amor, então releva.
Beijossssssssssssssss
Não consegui, vai como anónimo, mas é de Paula, buá!
Querida Paula tua voz está ótima.
ResponderExcluirVocê deu uma vida ao "rabisco-crônica" de D. Zita, creio que deva fazer em outros trabalhos poéticos.
Um abraço carinhoso da amiga
Iris
linda amiga ouvir Paula Maria no teu rabisco
ResponderExcluirou o teu rabisco em Paula é um presentaço ainda não tinha tido o privilégio desse sotaque no meu ouvido, bela harmonia, imaginação quadro a quadro!
beijoooo
Elisa