segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Dona Zita

Dora Brisa

No armazém da dona Zita
- legítima portuguesa –,
Vende-se e compra-se
Bacalhau e Vinho do Porto: “uma riqueza”.
Dona Zita vem me atender
- expressão arredia –,
Arregala os olhos para crer:
Falo português – que alegria!
Nostálgica, penso em voz alta:
“Ao monte alto o Capitão
Deu o nome de Monte Pascoal;
E à terra, Terra de Vera Cruz (...)”
Dona Zita me olha interrogativa.
- É frase de uma carta
De um tal Pero Vaz de Caminha
- respondo evasiva.
(Ela não tem obrigação
de saber. Afinal, Caminha
não endereçou a carta à dona Zita.)
A portuguesa me pede
Notícias do “nosso Brasil”,
Com o mesmo brilho no olhar
(será?)
Que um dia encantou-se um tal Cabral.
- Lembra os índios brasileiros, dona Zita?
Quase todos extintos.
Mas o Brasil tem muitos “brancos” e negros
Que perfuram as orelhas,
O umbigo, as narinas, as sobrancelhas,
Os lábios, e até a língua,
Onde penduram o que chamam “piercing”.
- Tem mais, dona Zita:
Hoje, negros e “brancos” brasileiros
Também pintam o corpo,
Como faziam os índios com urucum.
É moda.
Chamam tatuagem.
De repente, ouço um fado:
Amália Rodrigues?
Não.
É a alma de dona Zita
Que canta baixinho,
E suavemente se agita.
- Quer saber dos negros,
Bondosa portuguesa?
(negros que os seus patrícios
vilipendiaram com escravidão)
No “nosso Brasil”,
Ainda sofrem discriminação.
Como na África – resistem.
Ganha todo o povo brasileiro,
Que tem samba, capoeira,
Feijoada, vatapá,
Até Candomblé
(com a benção de
todos os Orixás).
- Futebol brasileiro, dona Zita?
Anda mal das pernas.
Não temos mais Pelé
(negro também).
Os jogadores perderam a agilidade,
Com o peso do dinheiro nos bolsos.
Nos estádios lotados,
Carregam mulheres louras
(Marias-chuteiras)
E carros importados.
- As crianças e os velhos
Do “nosso Brasil”?
Mudemos de assunto, dona Zita.
(Por favor, senhora,
não me obrigue relatar as
atrocidades cometidas
contra os filhos de ninguém.)
Apesar de e por tudo,
Dona portuguesa,
Brasileiro é um povo
Bem-humorado,
Faz piada dos portugueses,
Com quem sente afinidade.
(A propósito, a senhora
conhece aquela piada da bicha
no consultório do urologista?
Melhor não contar.)
Brasileiro é trabalhador
(pode acreditar, dona Zita):
Planta, colhe,
Só não tem o que comer.
Por isso, alimenta a alma
Sempre com um sorriso
- às vezes banguela -,
Recebendo o estrangeiro
De praias e braços abertos,
Rindo da própria desgraça;
(Não vou entristecê-la mais,
contando que a minha terra
está ficando sem palmeiras,
nem sabiá.
Por isso, as aves não
gorjeiam mais lá.)
Inesperadamente,
Pressinto o encontro das águas
Do Tejo com o Amazonas,
O Araguaia, o Guaíba,
O Velho Chico, o Parnaíba.
Recolho minhas lágrimas refletidas
No Velho Tejo que transborda.
Saio do armazém
Com a sensação de ter deixado
Dona Zita cantando um saudoso fado,
Às margens do Alentejo.
Volto para casa sentindo-me
(mais uma vez)
descoberta.
Ah, que vontade que dá
De voltar para o “nosso Brasil”,
E esperar por Cabral.
Ele poderia, dessa vez,
Levar dona Zita.
(Quem sabe?)
Pois, pois...

(Há pouco, recebi esse presente de minha mãe africana - Paula -, de Angola. Por isso, a exceção de postar a gravação de um rabisco meu, neste mês especial.)

Voz - Paula Xavier:

4 comentários:

  1. Dora, fi amada, agora abri link, será que vai dar certo?
    Eu escutar minha voz no "rabisco" mais lindo que fizeste e tu saberes, chegar a ti que li e amei "o rabisco" d. Zita, nao minha voz, af!
    Beijosssssssssssssssss
    Paula, vai como anónimo, de outro jeito não sqi ou sou loira fiiiiiiiiiiiiiiii!
    socorrooooooooooo

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  2. Oi fiiiiiiiiiiii, parece que consegui, vamos ver.
    Escutei de novo com as nuvenzinhas passando, começo a achar-me melhor, há palavras que quase engulo, mas i ó Dora, foi com amor, então releva.
    Beijossssssssssssssss
    Não consegui, vai como anónimo, mas é de Paula, buá!

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  3. Querida Paula tua voz está ótima.
    Você deu uma vida ao "rabisco-crônica" de D. Zita, creio que deva fazer em outros trabalhos poéticos.
    Um abraço carinhoso da amiga
    Iris

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  4. linda amiga ouvir Paula Maria no teu rabisco
    ou o teu rabisco em Paula é um presentaço ainda não tinha tido o privilégio desse sotaque no meu ouvido, bela harmonia, imaginação quadro a quadro!
    beijoooo
    Elisa

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