terça-feira, 21 de setembro de 2010

Mascara

Dora Brisa

Antes mesmo de o sol nascer,
Busco no armario, a mascara
Que é só minha.
Retiro a poeira das vestes,
Retoco a maquiagem pobre...
E lá vou eu, no dia que
Ainda não nasceu pra mim.
Deixo café pronto no fogão,
Para o meu homem, que ainda dorme.
Saio para disputar lugar no metrô.
Duas horas mais tarde,
Já estou faxinando a casa da patroa.
Lavo, passo roupa, cozinho,
Cuido dos filhos e dos cães
Que nunca foram – como se fossem – meus.
Só depois do almoço,
Tudo limpo, arrumado,
Corro atrás do meu homem,
Que trabalha na construção.
Levo marmita, todo dia, para ele,
Que me agradece com um beijo suado.
Enquanto o crepusculo cai
Sobre o dia, e sobre mim,
Trago minha mascara para casa.
Espero o meu homem, que chega
Cansado, bem mais tarde.
Um banho, um jantarzinho simples
E uma cama para fazermos amor.
Meu homem dorme logo, mais exausto
Que a vida que não vivi.
Antes de devolver minha mascara ao armario,
Páro a olhá-la, como a uma filha.
Com ela no colo, repouso na rede,
Enquanto de longe chega
Um doce acalanto, que me faz
Recordar a vida que nunca tive,
A mascara que jamais usei.
Aqui dentro, chora alguma coisa
Parecida com saudade, que me cala.
A minha solidão é silenciosa.
Não há luz lá fora, nem na sala.

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